O DIA EM QUE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE PEITOU OS COMUNISTAS
Se a eleição do presidente da República foi apenas a cereja do bolo, nos resta o trabalho de fazer o bolo, que é o trabalho de ocupação das entranhas da sociedade, das escolas, das organizações de bairro, das igrejas, das associações profissionais, das agremiações estudantis, etc.
Esse trabalho já é muito bem feito pela esquerda há décadas, com método e estratégia, por vezes de forma sutil, mas se necessário violenta.
O caso da eleição da diretoria da Associação Brasileira de Escritores (ABDE), em 26 de março de 1949, é exemplar neste sentido.
Uma das estratégias comunistas era dominar associações culturais e profissionais, para criar a impressão de que marxismo e intelectualidade se misturavam. Há poucos anos, esse procedimento fora bem utilizado na ocupação da diretoria da UNE, e agora o Partido Comunista se voltava para a ABDE lançando uma chapa composta por militantes, na qual o nome do professor "simpatizante" Homero Pires era indicado para secretário-geral da instituição.
O poeta Carlos Drummond de Andrade, amargurado com os destinos da associação que ajudara a fundar, organizou uma chapa "democrática", para fazer frente à chapa "comunista". Drummond não era propriamente um anticomunista; inclusive, em 1946, tivera um breve namoro com o PCB, chegando seu nome a figurar por pouco tempo dentre os redatores da Tribuna Popular, jornal do Partidão. Ainda que não tenha exercido efetivamente o cargo por mais do que 30 dias, o tempo foi suficiente para perceber a natureza do movimento e saber que, se os comunistas dominassem a ABDE, ela seria desvirtuada de seus propósitos literários originais, tornando-se mais um órgão de propaganda comunista, a exemplo do que havia ocorrido com a UNE. Dessa forma, o pacato e apartidário Drummond não mediu esforços para se colocar no caminho dos vermelhos.
Sua chapa contava com o apoio de grandes nomes, como Afonso Arinos de Melo, Álvaro Lins, Alceu Amoroso Lima, Hermes Lima, Carlos Lacerda e Manoel Bandeira.
Publicando no jornal Correio da Manhã, Afonso Arinos dá um exemplo do clima da disputa: os comunistas "utilizam-se de todos os meios possíveis para alcançar seus objetivos, como a falta de lealdade mais completa, a quebra de compromissos, e a intimidação mais grosseira". Carlos Lacerda, no mesmo jornal, afirmava que "vimos o que aconteceu na UNE... veremos o que acontecerá na Associação Brasileira de Escritores".
Ocorre que, mesmo inflando artificialmente seu eleitorado, inscrevendo na associação "grandes intelectuais", como o chofer de Luís Carlos Prestes, um leiteiro e um cavalariço, além de diversos funcionários não intelectuais dos jornais cariocas, como tipógrafos e secretárias, a chapa comunista saiu derrotada do pleito. Mas a história não termina aqui.
A chapa de Drummond ganhou, mas não levou. No dia da posse da nova diretoria, a sede da ABDE se encontrava ocupada por cerca de 60 adversários. Segundo Afonso Arinos, o grupo contava com apenas meia dúzia de verdadeiros escritores, dentre eles Graciliano Ramos e Dalcídio Jurandir; o resto da turba era composto de "rapazes e moças de jornal e simples capangas". A confusão durou horas chegando ao ápice quando um operário valentão tentou tomar de Rubem Braga o livro de atas, agredindo, inclusive fisicamente, o magro e frágil Drummond, que então, consternado, se retirou com sua chapa.
Cerca de 500 escritores assinaram uma declaração redigida pelo próprio Carlos Drummond de Andrade onde, responsabilizando o PCB, afirmava que a organização estava corrompida e incapaz de desempenhar sua verdadeira função de defender os escritores.
Drummond, acompanhado dos signatários da sua declaração, abandonou a organização e jamais quis conversa com os comunistas novamente. E foi só o que puderam fazer. Já Carlos Lacerda, que de apartidário não tinha nada, colocava as coisas em termos mais claros cerca de um ano após o incidente, afirmando que a ABDE carioca era simplesmente uma célula comunista, cuja obra literária se restringia a venerar a Rússia.
Entenderam como funciona o negócio?